Sei que o mundo existe, mas não sei se existo,
Eu nem sequer sou poeta, vejo...
.
Sei que o que eu escrevo tem valor, mas não sou eu que o tenho...
O valor está ali, nos meus versos...
Sinto uma alegria enorme, só em pensar que a minha morte,
não tem importância alguma.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer.
Devo tomar alguma coisa? Ou suicidar-me?
Não, !!!
Vou existir,
Arre! Vou existir! E-xis-tir! E-xis-tir!!!
Com um lenço branco, digo adeus aos meus versos,
que se partem para a humanidade...
Corre o rio e entro o mar, e a agua é a que sempre foi sua...
Passo e fico, como o Universo!
Ah! quem sabe, quem sabe, se não parti outrora, antes de mim, de um cais...
Se não deixei, navio ao sol, uma outro espécie de porto?
Toma-me pouco a pouco, o delírio das coisas marítimas.
Chamam por mim as águas,
Chamam por mim o mar.
O sol dos tropícos pòe a febre da pirataria antiga em minhas veias intensivas.
Os ventos da Patagônia tatuaram a minha imaginação,
de imagens trágicas e obscenas.
Eia!, que vida é esta...
Sangue nos mares!, Conveses cheios de sangue!, Fragmentos de corpos...
Dedos decepados sobre amuradas!,
Cabeças de crianças aqui, acolá!.
Gente de olhos de fora, a gritar, a uivar...
Ah!, Piratas, piratas, piratas!.
Piratas... Amai-me e Odiai-me.
Misturai-me convosco, piratas!.
Cinzelai a sangue minha alma...
Desabai sobre mim, como grandes muros pesados, õ barbaros do antigo mar...
Vossa fúria, vossa crueldade,
Como falam ao sangue de um corpo de mulher, que foi meu outrora,
E cujo cio sobrevive...
O mundo inteiro não existe para mim, ardo vermelho...
Da minha ideia do mundo cai, vácuo além do profundo...
Vacuo sem si próprio, escada absoluta sem degraus...
Minha alma beija o quadro que pintou...
Sinto ao pé dos séculos perdidos... e sismo o seu perfil de inércia e voô...
Parte-se de mim qualquer coisa, o vermelho anoiteceu...
Senti demais para continuar a sentir!...
Cometi todos os crimes, vivi todos os crimes...
E há, em cada canto da minha alma, um altar erguido a um deus diferente...
Fiz de mim o que não soube, e o que poderia fazer de mim não fiz,
Quando quiz tirar a mascara, estava pregada a cara...
Chove ouro baço, mas não no lá fora, ... Só em mim, sou a hora!.
Oh!, que mudo grito de ânsias põe garras na hora!
A hora!, O minuto!, O segundo!, Pum!!!
Sim!, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos:
- As cousas não tem significação, tem existência.
- As cousas são o único sentido oculto das cousas.
Colhamos flores e que o seu perfume suavize o momento...
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada...
Pagãos inocentes da decadência, vinde aqui!.
Vinde aqui todos os que sois, sabendo-o bem, sabendo-o mal...
Poetas, ou Santos, ou Herois, Cavaleiros de uma cruzada além dos astros...
De que estes astros, aos milheiros, são só os rastros...
Deus está morto-vivo, a civilização gagueja:
- Grandes são os desertos, minha alma, grandes são os desertos!!
(Poema de Fernando Pessoa)
Nenhum comentário:
Postar um comentário